A carruagem do comboio ia cheia. As pessoas iam entretidas nos seus mundos. Uns liam, outros ouviam música, olhavam para o telemóvel ou dormiam. A rasgar o som do comboio nos carris estavam os gritos de duas crianças. Corriam na carruagem, falavam alto, sorriam. O pai, impávido e sem se mexer, olhava pela janela. No banco de trás uma senhora estava a ficar visivelmente perturbada com o barulho das crianças. “Que falta de respeito. Estão aos gritos e o pai não faz nada. Não há educação”, murmurava entre os dentes para o senhor da cadeira ao lado que estava de cara enfiada no jornal.
Os miúdos davam grande gargalhadas, escondidam-se, voltavam a aparecer… E assim prosseguia a viagem naquela carruagem. A determinada altura a mulher não aguentou mais. Levantou-se e foi ter com o pai dos miúdos.
– “Você acha normal que os seus filhos estejam a fazer todo este barulho e você não faz nada?” -, vociferou a mulher.
O homem retirou os olhos da janela, virou-se para a mulher e permaneceu em silêncio.
Ela, mais furiosa ainda, reforçou: “É essa a educação que lhes dá? Aliás, a falta de educação. Não os manda parar e sentarem-se como pessoas normais porquê??”
O homem inspirou profundamente, como quem vai buscar forças ao fundo da alma, e disse numa voz calma: “Minha senhora, estamos a regressar de casa dos meus pais a caminho da nossa casa. Soube há pouco que a mãe dos meus filhos morreu. Não sei o que lhes dizer, nem como dizer. Mas se a senhora souber de uma maneira para eu o fazer sem lhes cortar a alegria, diga-me”.
A mulher não aguentou de vergonha, pediu desculpa e sentou-se.
Contaram-me esta história há uns 10 anos e eu nunca mais me esqueci. Não sei se é verdade ou não. Mas marcou-me. Desde então, sempre que me assola a possibilidade de julgar alguém sem ter a informação toda eu lembro-me desta história. Lembro-me que não sabemos toda a verdade. E até quando temos toda a informação ela pode ser interpretada de maneira diferente por cada pessoa.